(Camões lendo ´Os Lusíadas´ a D. Sebastião, imagem em http://1.bp.blogspot.com/
"As armas e
os barões assinalados,
Que da
ocidental praia Lusitana,
Por mares
nunca de antes navegados,
Passaram
ainda além da Taprobana,
Em perigos e
guerras esforçados,
Mais do que
prometia a força humana,
E entre
gente remota edificaram
Novo Reino,
que tanto sublimaram;
E também as
memórias gloriosas
Daqueles
Reis, que foram dilatando
A Fé, o
Império, e as terras viciosas
De África e
de Ásia andaram devastando;
E aqueles,
que por obras valerosas
Se vão da
lei da morte libertando;
Cantando
espalharei por toda parte,
Se a tanto
me ajudar o engenho e arte.
Cessem do
sábio Grego e do Troiano
As
navegações grandes que fizeram;
Cale-se de
Alexandro e de Trajano
A fama das
vitórias que tiveram;
Que eu canto
o peito ilustre Lusitano,
A quem
Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o
que a Musa antígua canta,
Que outro
valor mais alto se alevanta.
(…)
Vós,
poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo
em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também
no meio do Hemisfério,
E quando
desce o deixa derradeiro;
Vós, que
esperamos jugo e vitupério
Do torpe
Ismaelita cavaleiro,
Do Turco
oriental, e do Gentio,
Que inda
bebe o licor do santo rio;
Inclinai por
um pouco a majestade,
Que nesse
tenro gesto vos contemplo,
Que já se
mostra qual na inteira idade,
Quando
subindo ireis ao eterno templo;
Os olhos da
real benignidade
Ponde no
chão: vereis um novo exemplo
De amor dos
pátrios feitos valerosos,
Em versos
divulgado numerosos.
Vereis amor
da pátria, não movido
De prémio
vil, mas alto e quase eterno:
Que não é
prémio vil ser conhecido
Por um
pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis
o nome engrandecido
Daqueles de
quem sois senhor superno,
E julgareis
qual é mais excelente,
Se ser do
mundo Rei, se de til gente.
(…)
E não sei
por que influxo de Destino
Não tem um
ledo orgulho e geral gosto,
Que os
ânimos levanta de contino
A ter pera
trabalhos ledo o rosto.
Por isso
vós, ó Rei, que por divino
Conselho
estais no régio sólio posto,
Olhai que
sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de
vassalos excelentes.
Olhai que
ledos vão, por várias vias,
Quais
rompentes liões e bravos touros,
Dando os
corpos a fomes e vigias,
A ferro, a
fogo, a setas e pelouros,
A quentes
regiões, a plagas frias,
A golpes de
Idolátras e de Mouros,
A perigos
incógnitos do mundo,
A
naufrágios, a pexes, ao profundo.
Por vos
servir, a tudo aparelhados;
De vós tão
longe, sempre obedientes;
A quaisquer
vossos ásperos mandados,
Sem dar
reposta, prontos e contentes.
Só com saber
que são de vós olhados,
Demónios
infernais, negros e ardentes,
Cometerão
convosco, e não duvido
Que vencedor
vos façam, não vencido.
Favorecei-os
logo, e alegrai-os
Com a
presença e leda humanidade;
De rigorosas
leis desalivai-os,
Que assi se
abre o caminho à santidade.
Os mais
exprimentados levantai-os,
Se, com a
experiência, têm bondade
Pera vosso
conselho, pois que sabem
O como, o
quando, e onde as cousas cabem.
Todos
favorecei em seus ofícios,
Segundo têm
das vidas o talento;
Tenham
Religiosos exercícios
De rogarem,
por vosso regimento,
Com jejuns,
disciplina, pelos vícios
Comuns; toda
ambição terão por vento,
Que o bom
Religioso verdadeiro
Glória vã
não pretende nem dinheiro.
Os Cavaleiros
tende em muita estima,
Pois com seu
sangue intrépido e fervente
Estendem não
sòmente a Lei de cima,
Mas inda
vosso Império preminente.
Pois aqueles
que a tão remoto clima
Vos vão
servir, com passo diligente,
Dous
inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é
mais) os trabalhos excessivos.
Fazei,
Senhor, que nunca os admirados
Alemães,
Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer
que são pera mandados,
Mais que
pera mandar, os Portugueses.
Tomai
conselho só d'exprimentados
Que viram
largos anos, largos meses,
Que, posto
que em cientes muito cabe.
Mais em
particular o experto sabe.
(…)
Luis Vaz de
Camões, 1572, ´Os Lusíadas´ (ver versão original em http://purl.pt/1/2/cam-3-p_PDF/cam-3-p_PDF_24-C-R0150/cam-3-p_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf)
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01 junho 2012
Os Lusíadas
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