Alfredo Keil (http://centenariorepublica.pt/escolas/personalidade-republica/alfredo-keil), "No cais do Tejo" (1881) (http://sopintura1953.blogspot.pt/2011/01/alfredo-keil.html)
Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete e uma alma para ir à
escola mais um letreiro que promete raízes, hastes e corola
Dão-nos
um mapa imaginário que tem a forma de uma cidade mais um relógio e um
calendário onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de
manequim para dar corda à nossa ausência. Dão-nos um prémio de ser
assim sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu para
tirarmos o retrato Dão-nos bilhetes para o céu levado à cena num
teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos com as cabeleiras das
avós para jamais nos parecermos connosco quando estamos sós
Dão-nos
um bolo que é a história da nossa historia sem enredo e não nos soa na
memória outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados que
adormecemos no seu ombro somos vazios despovoados de personagens de
assombro
Dão-nos a capa do evangelho e um pacote de tabaco dão-nos
um pente e um espelho pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso
à cabeça e uma cabeça presa à cintura para que o corpo não pareça a
forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro com
embutidos de diamante para organizar já o enterro do nosso corpo mais
adiante
Dão-nos um nome e um jornal um avião e um violino mas não
nos dão o animal que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de
papelão com carimbo no passaporte por isso a nossa dimensão não é a
vida, nem é a morte.
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